quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

“Historias, aventuras e outros relatos - 2”

Imagen retirada da net
De noite na Serra

Já foi há muito tempo que esta história se passou, bem no fim da década de 80, há momentos que já estão um pouco enevoados na minha memória, mas existem outros bem presentes como se tivessem passado ontem e aqui muito perto. Quando eu era Sénior o tempo era diferente, havia tempo para estudar, para brincar na rua, para namorar e fundamentalmente para acampar.

Lembro-me que fim-de-semana sim, fim-de-semana não, lá íamos nós de mochila às costas, ora para o AEP na Costa de Caparica, ora para a Lagoa de Albufeira, ora para a Serra da Arrábida para um raid pela noite dentro.

E foi aqui nesta bonita serra que esta história (totalmente verídica!!!) se passou.

Como era hábito, apanhámos o autocarro em Cacilhas (sim porque naquela altura os carros dos papás eram escassos) e seguimos até Azeitão onde jantámos e parodiámos um pouco até que todos se despachassem.

Iniciámos a nossa caminhada... separados por equipas e com os chefes a saírem por último, bastante tempo depois da partida da última equipa.

Por esta altura eu pertencia à equipa Coelho e estávamos bastante convencidos de que éramos os melhores... e foi assim que partimos nas calmas, deixando Azeitão para trás e avistando a maravilhosa paisagem verdejante e... sempre a subir da Serra da Arrábida.

O raid começou bem, andámos a bom ritmo e pensámos, obviamente, que em breve iríamos chegar com tanto tempo de avanço que iríamos descansar um bom par de horas.

No primeiro cruzamento todos sabíamos que era para virar à esquerda, no segundo à direita e no terceiro... pois no terceiro é que houve dúvidas.

Todos nós já havíamos feito aquele percurso dezenas de vezes, mas bolas naquele cruzamento não chegámos a um acordo, uns diziam que era para um lado e os outros para o outro.
A maioria decidiu, embora não parecessem muito convencidos da decisão, mas éramos ou não os melhores? E lá seguimos, não sem antes começarmos a ser acompanhados por uma chuva chata que teimava em nos perseguir como quem dizia – He! He! Estão enganados!

O caminho parecia diferente, óbvio a vegetação tinha crescido, a subida parecia mais íngreme, óbvio estávamos a ficar velhos até que...

-          He pá! Não me parece conhecer isto!
-          Claro que conheces, vamos mas é continuar, estás só cansado.
-          Mas continuar para onde? O caminho pára aqui.
-          Não pode ser, tem que haver uma saída, voltar para trás é que eu não volto!

Escusado será dizer que o amuo de alguns irritou os outros, tão confiantes das suas decisões.

-          Malta temos que nos baixar, agarrem nas facas do mato e toca a desbastar, não devemos estar longe do topo.
-          Xiu!! Ouviram isto?
-          Isto o quê? Eu não ouvi nada.
-          Xiu escutem!
-          Ouve lá, não era por aqui, tenho a certeza!
-          Claro que era, só temos que voltar ao trilho inicial.
-          Daqui a pouco os putos já estão todos lá em cima e nós aqui perdidos, que bonito!!
-          Mas quem será? Se calhar é outra equipa!
-          Vamos chamá-los?
-          Não! é claro que não! Sabemos lá se são traficantes ou mesmo assassinos a tentar esconder alguma coisa sem quererem ser apanhados?

E ali ficámos à escuta, borrados de medo com as facas do mato em punho á espera do primeiro sinal para atacarmos.

-          É pá é melhor voltarmos atrás não me parece que isto vá dar a algum sítio.
-          Mas assim nunca mais chegamos ao pé dos putos.
-          Ouçam não parece a voz do Chefe?
-          É sim! Chama-o assim já não ficamos sozinhos.
-          Chefe? Somos nós, estamos aqui!
-          É pá estão ali miúdos! Não lhes digas que estamos perdidos.
-          Ei somos nós, viemos buscar-vos como não apareciam resolvemos vir ver o que é que passava.
-           Vá vão á frente que nós vamos atrás de vocês.
-          Mas Chefe nós estamos perdidos, não conseguimos sair daqui.
-          A sério e agora?
     
Momento de pausa! E de grande tensão até que alguém disse:

-          Bom vamos começar a desbastar estes galhos e tentar ir até ao mais alto possível para podermos ver para onde queremos ir.

Passado um bocado, já estourados da caminhada, dos arranhões das silvas, dos galos na cabeça das pedras que rolavam, das costas doridas da mochila e molhados até aos ossos, chegámos a um cume, com uma vista linda e de onde podíamos ver a estrada que queríamos apanhar. Mas já não aguentávamos mais, estávamos esgotados e decidimos descansar. Foram muitos os pensamentos que povoaram os nossos espíritos nessa noite, e agora? O que nos vai acontecer, aqui nunca ninguém nos vai encontrar, o meu pai, a minha mãe, coitados, tenho fome, tenho sede, tenho frio, mas nunca mais é de dia? De repente estávamos todos acordados a reviver os momentos que tínhamos passado juntos nos escuteiros, aquela actividade, aquela queda, aquela promessa, e sentíamos que juntos podíamos sair dali, porque éramos uma equipa de escuteiros e isso, valia mais que tudo.

Quando amanheceu lá nos pusemos a caminho e rapidamente com a luz do sol conseguimos apanhar o caminho correcto e chegar ao Portinho da Arrábida.

Quando lá chegámos ainda não tinham acabado os nossos problemas, havia uma equipa desaparecida. Meu Deus outra vez? O que vamos fazer? Histórias de luzes trocadas de barcos para terra povoavam o discurso de quem tinha chegado a meio da noite à praia. É droga, são armas, enfim veio ao de cima o Sherlock Holmes que cada um tem dentro de si.

-          É preciso avisar a polícia, temos que procurá-los.
   
Mas lá em cima ainda muito longe, figuras bem pequeninas surgiram cansadas mas bem de saúde. Era a equipa perdida

Moral da História: Não pensem que sabem sempre tudo, pois a meio de uma qualquer noite chuvosa, podemos optar pelo caminho errado naquela bifurcação escura.

Boa Caça
Pantera Sagaz

Um comentário:

  1. Lembro-me bem desta actividade.

    Participei dela. Mas felizmente, a minha equipa - a Águia - foi das que chegou sã e salva ao local (Portinho da Arrábida)na mesma noite.

    Restou-nos uma noite em claro sempre Alerta (honrando o lema)a procurar as duas equipas de Séniores (Pioneiros, Comunidade, enfim...)que continuavam desaparecidas, juntamente com a Chefia.

    Sim. Uma boa história. Um destes dias dedico-me a contar a versão dos que não se perderam, mas que não se sentiram, por isso, menos angustiados.

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